Maria chega ao consultório com a queixa de que não consegue se relacionar sexualmente com nenhum de seus namorados, sempre quando a relação afetiva-sexual irá acontecer, ela relata grande aversão pelo ato e acaba por terminar o seu relacionamento, isso já acontece há alguns anos, e Maria já tentou se relacionar com várias pessoas, mas sempre acontece a mesma coisa e isso está causando sofrimento e solidão.

Podemos inferir aqui que isso é um ato de repetição, possivelmente esse repetir é em função de algum conteúdo inconsciente, que existe uma grande possibilidade do individuo não se dar conta para manifestar em palavras, porque é um conteúdo;
que essa pessoa vivenciou de maneira tão intensa onde não conseguiu simbolizar, ou em um período onde ela não tinha ainda,  a capacidade de simbolizar.

O processo terapêutico é fazer com o que Maria reconheça o porquê da repetição nos seus relacionamentos, mas ainda assim, reconhecer o porquê dessa resistência não será garantia de que esse indivíduo vai mudar esse funcionamento. Maria além de reconhecer ela precisa elaborar, e essa elaboração do conteúdo se dará em tempo pessoal de cada um, na medida em que ela consegue dar um novo significado para esse conteúdo.

O que será que aconteceu com Maria?

Como sua estrutura psíquica compreendeu alguma situação vivida que a levou a ter dificuldades nos seus relacionamentos atuais?

Somente dentro do processo terapêutico iremos conseguir revelar o conteúdo e através da elaboração de eventos latentes permitirem que ela dê um significado novo que possa ajudar superar essas dificuldades.

Porque somos impelidos a repetir?

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Em verdade a lógica da compulsão à repetição está presente em toda obra freudiana e se trata de um de seus conceitos mais fundamentais. Ele descreve bem em seu texto: “Recordar, repetir, elaborar”.

Em 1914, em “Recordar, repetir, elaborar”, Freud utilizar pela primeira vez a expressão compulsão à repetição, ali considerada como um fenômeno clínico, Tendo definido o objetivo do tratamento psicanalítico como o preenchimento de lacunas na memória ou como a superação de resistências devidas ao recalque, Freud evidencia o comportamento dos pacientes em análise. O paciente não se comporta sempre calmamente, concentrando-se em recordar o material recalcado, (…) mas expressa-se pela atuação ou atua-o (acts it out). Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação, repete-o, sem, naturalmente, saber que está repetindo. (Freud, 1914:196).

Portanto, sem saber, quando em tratamento, o paciente está entregue a uma compulsão à repetição, sendo esta sua maneira de recordar.

Freud e a compulsão à repetição

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Quando Freud chama a atenção para a compulsão à repetição, ele amplia a visão que tem sobre o tratamento psicanalítico e o estado de enfermidade do paciente, demonstrando assim que ambos, apesar de terem como referencia o passado, devem ser tratados como uma força atual.

O trabalho do analista, nesse momento da obra freudiana, será então remontar ao passado as experiências reais e atuais que o paciente tem em relação ao tratamento e ao analista.

Pode-se entender, em consequência, que a transferência, como atualização do material recalcado, é uma repetição. Repetição que se faz presente, quanto maior for à resistência em lugar do recordar, que é possível apenas em estados nos quais as resistências tenham sido elaboradas.

Como Freud esclarece: “Logo percebemos que a transferência é, ela própria, apenas um fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido”… – Freud, 1914:197.

“O estranho (1919), Freud trouxe alguns exemplos sobre uma repetição involuntária” ou retorno constante de mesma coisa, que transformaria algo inicialmente inocente, como ocorrências semelhantes, em algo estranho e evocador de certa sensação de desamparo. – Freud 1919: 293/303. Já neste momento, Freud fala de forma sucinta da compulsão à repetição da mesma forma como será finalmente elaborada em seu texto: “Além do principio do prazer” – publicado em 1920.

“… é possível reconhecer, na mente inconsciente, a predominância de uma compulsão a repetição, procedente dos impulsos instintuais e provavelmente inerentes à própria natureza dos instintos – uma compulsão poderosa o bastante para prevalecer sobre o principio do prazer, emprestando a determinados aspectos da mente o seu caráter demoníaco. E ainda muito claramente expressa nos impulsos das crianças pequenas; uma compulsão que é responsável, também por uma parte do rumo tomado pelas análises de pacientes neuróticos” – Freud 1919: 297/298.

Freud e suas experiências clínicas

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Através da experiência clínica que Freud esclarece do que se trata a compulsão à repetição em seu texto Além do princípio do prazer (1920). Neste momento, a necessidade de impelir o paciente a recordar torna-se problemática, uma vez que o paciente “não pode recordar a totalidade do que nele se acha reprimido” (Freud, 1920: 31). 

Não sendo possível que o inconsciente torne-se consciente, conforme havia sido estabelecido em 1914, resta-lhe repetir o material recalcado como se fosse algo atual.

Tais reproduções têm como tema justamente parte da vida sexual infantil. Os pacientes repetem com o analista “situações indesejadas e emoções penosas, revivendo-as com a maior engenhosidade”. (Freud, 1920: 34)

Observando seu neto, Freud demonstrou que a brincadeira de jogar um carretel e em seguida puxá-lo de volta pelo barbante, proferindo as palavras Fort (saiu) e Da (voltou), era uma revivência da experiência desprazerosa de saída e retorno de sua mãe. Podia-se pensar que essa repetição se tratava de tentativas do eu para dominar as experiências desprazerozas e ocupar um lugar ativo em relação a elas, ao invés do originário passivo.

Mas a compulsão à repetição é mais fundamental que a procura de um prazer ou da evitação de um desprazer: são experiências claramente desagradáveis que são repetidas, e não parece que nenhuma instância psíquica possa conseguir satisfação em sua repetição.

Logica de funcionamento psíquico

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É necessário que se suponha outra lógica de funcionamento psíquico, um além do princípio do prazer, porque é impossível sustentar que as repetições dessas experiências deem algum ganho no registro do prazer.

A compulsão à repetição enquanto engendrando um registro fora do esquema prazer/desprazer desafia todo o funcionamento narcísico presente na obra freudiana antes de 1920. Freud enuncia essa questão da seguinte forma:

“… a compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que desde então foram reprimidos.” – Freud, 1920: 34

Considerações finais

Os conteúdos nos recalcados levam a uma situação paradoxal, inferindo assim que esses conteúdos retornem a consciência causam desprazer, enquanto que o aparelho psíquico busca, sem dúvida, a obtenção de prazer, deve-se aos mecanismos de defesa do ego. 

Lembremo-nos que o recalcado esforça-se por todos os meios para aflorar à consciência, isto é, insiste. É o ego que se esforça por impedir que estas lembranças recalcadas retornem, resistindo. A fim de explicar de maneira mais clara como isso acontece, Freud recorrerá aos conceitos de energia ligada ou vinculada e energia livre ou livremente móvel.

Freud irá, nesse momento, estabelecer uma relação entre a forma de energia livremente móvel, com o funcionamento da pulsão, o qual, por sua vez, é marcado pelos processos primários de funcionamento.

Por outro lado, irá relacionar a forma de energia vinculada aos “aos estratos mais elevados do aparelho mental”, os quais, em conformidade com os processos secundários, sujeitariam as excitações pulsionais. (Freud, 1920: 52).

Por fim, podemos entender a compulsão a repetição como um fenômeno clinico desafiador até os dias atuais. Sigamos estudando essa problemática, facilitando que o não simbolizável possa vir a ser simbolizado, e quem sabe o desconhecido possa ser parcialmente conhecido.